segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Lá fora, um outro tom de cinza...



A janela do apartamento, que ficava no quinto andar, se estendia por quase toda a parede da sala trazendo uma selva de pedra para dentro de casa. Ela puxou a poltrona em direcão a janela como sempre fazia, sentou-se aconchegada com o livro nas mãos. Lá fora garoava, um típico dia cinza de inverno. Leu e releu a mesma página do livro sem conseguir se concentrar, os pensamentos voavam de encontro a paisagem . Como podia gostar tanto daqueles prédios que se multiplicavam pela cidade? Houve outra época  em que a mesma janela, a mesma paisagem evocava um outro tom de cinza. 
Lembrou-se das vezes que sentou na mesma poltrona, na mesma direcão acompanhada pelo passageiro sombrio e seus sussurros. Quando as lágrimas ocupavam a umidade da chuva, quando o cinza escuro não estava apenas colorindo o tempo mas fazia sombra na sua alma. 
Era tão diferente agora, pensou. O cinza claro, as árvores balançando,  a garoa, não importava se fosse uma tempestade, lá dentro tudo estava calmo. 
Passou mais uma vez pelas páginas do livro. Desta vez o passageiro sombrio assombrava apenas o personagem, fazia-a as vezes rir, as vezes ficar aflita, mas ela tinha certeza de que todos aqueles sentimentos se concentravam apenas na leitura. Por mais que tentasse se concentrar  nas páginas do livro, seu olhar teimava em fugir para a janela e logo se perguntava como conseguia amar tanto aquele lugar. Desde adolescente nutria uma paixão pela cidade, pelos prédios, pelo constante movimento dos carros, das pessoas, da cultura. Aquilo para ela era vida. Fechou o livro e começou então a pensar no quanto havia trabalhado para estar ali, o quanto havia lhe custado a possibilidade de poder olhar por aquela janela, de poder fazer parte da paisagem. Sempre foi uma pessoa determinada, dessas que conseguem, mesmo com sangue, aquilo que querem, mas naquele momento estava se sentindo um pouco desanimada. Talvez fosse o dia chuvoso, talvez fosse as múltiplas tarefas que havia empurrado para o dia seguinte, para poder se esconder nas páginas de um livro. Não sabia. Mas o cinza lá de fora lhe trazia uma certa esperança, teve a impressão de que quando a chuva cessasse a vida então começaria a acontecer, assim como deveria ter sido nas outras vezes que se encontrava sentada na poltrona fitando o céu nublado. Lhe ocorreu então que dessa vez era apenas o dia que estava cinzento, seu coração estava em paz, a melancolia típica do inverno estava presente apenas do outro lado da janela. Do lado de dentro estava como deveria estar desde que chegou a cidade, tons de Romero Britto, tons de possibilidades como gostava de se referir. Possibilidades que ela sabia não chegariam com o sol, mas naquele exato momento se ela permitisse.

4 comentários:

  1. Isso poderia ser o 1º capitulo de livro ou o último... que tal??. Eu compraria =)

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  2. Tem mais exemplares? rssss
    Realmente é um texto gostoso de ler!

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  3. Nossa.
    Tua forma de escrever é apaixonante.
    Concordo que você poderia dar continuidade a história viu.
    Parabéns.
    http://www.viciodiario.com/

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  4. Ai, amei o texto! E super curti a ideia de um livro. <3

    http://rabiscosincompletos.blogspot.com

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